Por Marcos Bagno
Universidade de Brasília
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O termo escravo em português (como o espanhol esclavo) provém do latim medieval sclavus, que por sua vez deriva do grego bizantino sklabos. A fonotática do grego e do latim não admitia o encontro -sl-, de modo que, para se adequar ao padrão silábico dessas línguas, o grupo -sl- era rompido com a inserção de um [k] (um -c-, no alfabeto latino). Ora, se suprimirmos esse [k] intruso, o que obtemos é slabos e slavus, e qualquer semelhança com eslavo não é mera coincidência (veja-se a dupla Slav, “eslavo”, e slave, “escravo”, em inglês). Os eslavos começaram a se expandir para fora de um foco inicial, no extremo leste europeu, no século 6 da nossa era. Quando, por volta do século 9, chegaram às portas do Império Bizantino, na península balcânica, os bizantinos atacaram os “invasores pagãos” e reduziram muitos deles à escravidão, como sempre foi do gosto dos cristãos. O mesmo tratamento foi dado aos eslavos por Carlos Magno e seus sucessores, também a partir do século 9. Foi assim que do nome que os próprios eslavos davam a si mesmos surgiu o grego sklabos (com um -b- porque o grego antigo não tinha o som [v]). Esse nome foi tomado de empréstimo pelos falantes do latim medieval e, já na baixa Idade Média, substituiu o tradicional servus, origem do nosso servo. O primeiro registro do termo escravo em português escrito data do século 15, justamente quando tem início o período da expansão marítima dos portugueses: a cidade de Ceuta, na costa mediterrânea do atual Marrocos, foi a primeira “conquista” dos portugueses, em 1415 (afinal, “invasão” é sempre o que os outros fazem, não nós). Até então, o termo mais empregado era cativo. A partir daí a história é bem conhecida: os portugueses foram “descobrindo” e invadindo terras mundo afora, exterminando e escravizando vários povos, especialmente os africanos negros, que se tornaram durante séculos uma das fontes de renda mais lucrativas para os mercadores portugueses. Tudo com o mesmo espírito evangelizador e civilizatório dos bizantinos de mil anos antes. A história das palavras é uma das muitas fontes para entendermos a história dos povos, e a palavra escravo mostra bem a maneira como, desde a alta Idade Média, o “Ocidente” vem tratando os eslavos, como pouco “europeus”, isto é, menos “civilizados”.